segunda-feira, 12 de outubro de 2015

A escrita de nós dois

Não sei se o que me une a você são elementos coesivos ou corrosivos. Você está tão dentro de mim e tão distante: não falamos a mesma língua, o registro é mal empregado, mas dividimos a incoerência de um mesmo sentimento. Não nos classificamos em todas as classes de palavras e os adjetivos pelos quais me descreve soam ruins, derivados de formas de ser exteriores, mal ditas. Não me flexiono inteira a você, pois não sou verbo regular, falo de modo direto ou indireto, dependendo da ocasião. Mas você inflexível, impessoal, intransitivo, nunca me alcança, nunca me entende, nunca se desdobra por mim. Sei que às vezes sou tola, excessivamente gramatical, me ateio a pequenas coisas, a simples preposições, à colocação de um adjetivo inesperado: _ Chata! E eu rebato em grau superlativo, para manter o tom melodramático: "Você que é muito chato!". Infantis, monossilábicos, descritivos como todos os seres apaixonados. Porém, nós nos amamos com intensidade, como em uma locução adverbial: Muito! Muito! Muito! Enfim, temos muitos hiatos, muitas elipses, muitas palavras não ditas. Culpa desse seu jeito metonímico, oculto, indeterminado. Você nunca me diz realmente o que é; o que sente; o que vê. São vírgulas, atrás de vírgulas, e depois apostos, explicações e abraços. Vivemos dias de céu e dias de purgatório, metaforicamente denominados de semanas. E muitas, longas reticências. Ainda assim, espero nunca haver um ponto final.

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